André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu BNDES juros Selic

No Dia Internacional do Trabalhador, rentismo mostra suas garras

Novas tecnologias elevam produtividade mas geram questões sobre desemprego estrutural

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O Dia Internacional do Trabalhador é um emblema das lutas históricas por melhores condições de trabalho, dignidade e justiça social: a jornada de trabalho de oito horas, o direito à organização sindical e a valorização do trabalho humano.

Inspirada pela greve iniciada em 1º de maio de 1886 em Chicago, a celebração continua atual e necessária. Nos últimos 30 anos, o poder de barganha dos trabalhadores foi debelado pela globalização, pela precarização e pela automação.

As novas tecnologias (uberização, automação e robotização) aumentam a eficiência produtiva, mas levantam questões sociais e éticas relativas ao desemprego estrutural, à neutralidade racial e de gênero dos algoritmos e à desigualdade de renda. A popularidade da proposta de renda básica universal no Vale do Silício é sintoma deste temor.

Ato das centrais sindicais no 1º de Maio Unificado, na Neo Química Arena, em Itaquera
Ato das centrais sindicais no 1º de Maio Unificado, na Neo Química Arena, em Itaquera - Marcelo Pessini/Folhapress

Com efeito, a queda da participação dos salários na renda da economia é fenômeno global e de longo prazo, como mostram estudos da OIT e do FMI. Nos países desenvolvidos, a OCDE registrou recente supressão de salários em várias indústrias, ocupações e níveis de qualificação. No Brasil, os salários somam menos de 40% da renda total, refletindo a desindustrialização precoce, a baixa sindicalização, a desregulamentação e a alta taxa de informalidade no mercado de trabalho: 39% da nossa força de trabalho se encontra em empregos precários e de baixa qualificação.

Insensível a esses fatos, o "banqueiro central dos pobres", Roberto Campos Neto (RCN), anunciou, em entrevista à CNN em 1º de maio de 2024, que a economia brasileira vive um surpreendente "pleno emprego", mesmo com 7,9% da força de trabalho desempregada e com taxa de subutilização da mão de obra em 18%.

Traduzindo: para ele, uma renda média mensal de R$ 3.100 é uma exuberância incompatível com a estabilidade macroeconômica. Se a renda do trabalho continuar subindo, o Banco Central (BC) será forçado a elevar a Selic para moderar as demandas salariais —por meio de maior desemprego— e, claro, defender o retorno do capital financeiro improdutivo, com a desculpa do controle da inflação, a qual está caindo sistematicamente.

Na mesma data, os porta-vozes do rentismo defenderam a desvinculação irrestrita dos benefícios sociais com relação ao salário mínimo (SM), alegando que cada R$ 1 a mais aumenta o gasto público em R$ 388 milhões.

Em números: a elevação nominal de 6,4% do salário mínimo entre 2024 e 2025 implica elevação do gasto primário em R$ 35 bilhões. O BC pode compensar esse aumento reduzindo em mero 1 ponto percentual a Selic, poupando R$ 44 bilhões em serviços de juros da dívida pública; mas este é um debate interditado.

A desvinculação focalizada de privilégios com relação ao SM é uma discussão bem-vinda; porém, o silêncio sobre os juros da dívida e a obscena injustiça tributária contrastam com a estridência das críticas aos direitos sociais e ao esforço de reindustrialização.

O ataque coordenado ao BNDES é outro sintoma deste mal-estar do rentismo. Seu modelo de estimação de empregos mostra que, em 2024, os projetos apoiados pelo banco podem adicionar 1,5 milhão de empregos.

A combinação de queda da Selic com a atuação do BNDES e os estímulos ao investimento industrial pelo MDIC ajudam a explicar a criação de 720 mil novas vagas de emprego apenas no primeiro trimestre de 2024. O crescimento da economia previsto para este ano já passa de 2%. Esta "agenda errada" do governo provocou, no mesmo 1º de maio, a melhoria da perspectiva da nota de crédito do Brasil pela agência Moody’s. A agência não comprou o pânico fiscal e gerou muito mau-humor na Faria Lima.

A promoção de emprego e salário dignos e o acesso à seguridade social apenas ameaçam quem teme a tributação progressiva da renda e do patrimônio como pilar central do equilíbrio fiscal. A eutanásia do rentismo é, portanto, condição para o desenvolvimento.

A luta continua!

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